Atuação do Dentista no Setor Público (SUS)

Fernando Aparecido

Importante

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Unidadbe Básica de Saúde (UBS) e Centro de Especialidades Odontológicas (CEO)

Aparentemente existe uma idéia errada de que esse setor se restringe apenas a atendimentos de uma população vulnerável nas UBSs, UPAs, CEOs, hospitais... diria que na maioria das vezes sim, mas existem outras possibilidades de atuar. Pode-se trabalhar na área administrativa, gestão, secretaria da saúde, vigilância sanitária... são muitas opções. Obviamente não trabalhei em todas elas. Contarei sobre minhas experiências em UBS e CEO, onde trabalhei por um tempo.


Foi uma grata experiência que aconteceu em minha carreira. Eu ingressei no serviço público maduro profissionalmente. Tinha 13 anos de formado. Já havia trabalhado como prestador de serviço para outros, em meu próprio consultório particular e lecionava. Sinceramente não tinha uma ideia de como isso funcionava. Existem muitos estereótipos a respeito de saúde pública. Infelizmente, na maioria das vezes, ruins. Mas quando comecei a trabalhar em uma UBS, descobri um novo e inexplorado mundo.


Eu me formei em uma época em que o curso de odontologia era muito elitizado. Acredito que ainda é, pelo alto custo na graduação desse curso. Mas naquela época tinha mais um agravante. Os cursos eram integrais, e quando em faculdades particulares, as mensalidades se equiparavam aos valores que hoje são do curso de medicina.


Apesar de ter feito uma universidade pública, tinha um alto custo de me manter no dia a dia (carro, gasolina, almoço, lanches e obviamente os livros, instrumentais e equipamentos necessários para a formação). Era muito difícil trabalhar e estudar para quem fazia o curso integral como eu fiz. Mas nessa época comecei a lecionar no período da noite, o que me propiciou aliviar um pouco as despesas para o meu pai. Aliás foram bons tempos.


Fiz esse parêntese nesse assunto porque a questão, não por mera coincidência, é que o curso de Odontologia nesse período também formava alunos com uma visão elitizada da profissão. Nessa época era raro um aluno pensar, após a sua formatura, em trabalhar no serviço público. A nossa formação focava atender em consultórios particulares. E não há problema algum nisso.


Mas acredito que hoje preparamos os alunos para um mercado de trabalho mais amplo, visando inclusive a sua atuação no SUS. E nesse momento talvez a sua dúvida seja: existe diferença de atuação no setor público e privado? E a resposta é: depende do ponto de vista.


Sob uma óptica somente técnica, não há e NÃO DEVE HAVER diferença alguma no campo de atuação profissional. Ou seja, todos os procedimentos que realizar no serviço público devem ser idênticos como se estivesse em um consultório particular.


Atualmente temos equipamentos e insumos muito semelhantes ao que temos em consultórios particulares. Fotopolimerizadores de LED, canetas de alta rotação e motores de baixa rotação de boas marcas, aparelhos de ultrassom, resinas compostas, sistemas adesivos, diferentes sais anestésicos e vasoconstrictores.


Nos CEOs (Centros de Especialidades Odontológica) temos localizadores apicais, material de isolamento absoluto, laboratórios de prótese equipados, aparelhos de raio X. Esses são alguns exemplos. Pode-se perceber que conseguimos fazer quase tudo em termos de procedimentos odontológicos.


É claro que vai depender muito de prefeituras com vontade política de investimentos em saúde bucal. Nosso país é continental e existem diferenças regionais. Mas nos grandes centros urbanos e nas capitais em geral, é muito comum encontrarmos esse cenário que descrevi.


A grande diferença que eu vejo na atuação do cirurgião dentista no campo público é na questão da promoção de saúde do indivíduo, como um todo. Não que no consultório particular não necessite disso.


Mas é mais difícil aparecer um paciente com vários problemas de ordem bucal ou geral simultaneamente. Normalmente são pessoas que cuidam mais da saúde. Precisam resolver problemas pontuais na odontologia. E isso exige um profissional principalmente com habilidades técnicas.


Por exemplo, na minha especialidade, é comum o paciente estar com boas condições gerais (normorreativos ou quando apresentam algum problema de saúde estão compensados e se tratam periodicamente) e bucais também. Não possuem cáries e quando têm restaurações, estão bem realizadas. No entanto, uma restauração de um dente anterior pode estar com um formato levemente arredondado ou com discreta diferença de cor. Imperceptível aos olhos de um leigo. Mas o paciente se incomoda. Ele busca um especialista para resolver esse problema “milimétrico”. E que bom que tenhamos profissionais assim.


No serviço público podemos e devemos também resolver esses problemas. Mas infelizmente o perfil de muitos pacientes é um pouco diferente. Não adianta resolver um problema “milimétrico” quando alguns pacientes apresentam 10 ou mais lesões de cárie, inclusive sentindo dor.


Você precisa olhar esse paciente como um todo. Devolver a saúde antes de resolver problemas específicos. E para piorar, muitos deles apresentam ainda quadros de hipertensão e diabetes não compensadas, gravidez de alto risco, tuberculose, alcoólatras e viciados em drogas ilícitas.


Fora a questão de analfabetismo e da falta de compreensão, mulheres solteiras com muitos filhos, desempregados, deficiências físicas e mentais. Percebe-se como temos que mudar o foco para essa realidade? Às vezes, o menor problema que esse paciente tem são as 10 lesões de cárie...


Quando se ajuda essas pessoas a melhorarem um pouco de vida, a sensação é única e indescritível. Difícil de explicar. Tem pacientes que foram maltratados a vida toda. E não somente na área de saúde...


Quando encontram profissionais que ouvem seus problemas e os ajudam na resolução ou no encaminhamento, ficam eternamente gratos. Já recebi almoços, bolos, salgadinhos, tortas, guloseimas, chocolates... Como tudo! Quando alguém me pergunta se não tenho receios, sempre respondo que se foi feito com amor e carinho, não tem como passar mal (risos). E nunca passei! É o jeito que alguns têm de retribuir algo que lhes foi feito de bom. E eu devolvo da melhor maneira que posso, fazendo meu melhor, mesmo com algumas dificuldades por falta de verbas no setor da saúde. Se acha que a sua vocação tem a ver com essas experiências que descrevi, tenho certeza que amará trabalhar no serviço público. Para mim é gratificante!


Outro aspecto positivo nesse tipo de atividade é o trabalho em equipe. Geralmente trabalhamos, no mínimo, com mais uma pessoa, nossa auxiliar (ASBs). Na maioria das vezes, com mais colegas de profissão também. Sempre tive sorte de trabalhar com bons parceiros. Tenho amizade, até hoje, com muitos deles. Nosso ofício é um pouco solitário quando comparado com outras profissões.


Posso afirmar que, para muitas pessoas, isso é importante. Confesso que não poderia trabalhar o tempo todo em uma atividade solitária. Gosto de interagir com outros profissionais. Felizmente também acontece com minha outra atividade que é lecionar. Para os que trabalham sozinhos em saúde pública, lamento... Seria uma exceção.


Quanto a algumas dificuldades, lembro que no SUS temos que ter muita produtividade. O tempo de atendimento é bem enxuto, o que infelizmente não permite ter um contato maior com os pacientes. Em outras palavras... bater papo. Além da agenda lotada, atendemos urgências com demanda espontânea. Dessa forma, se vierem todos os pacientes marcados naquele período, ainda existem esses atendimentos extras. Há dias que confesso que termino muito cansado.


Temos também algumas limitações normais de um atendimento público como falta de insumos e quebras de equipamentos. Infelizmente é uma realidade do país. Sempre temos dificuldades de verbas na área da saúde, além dos problemas burocráticos de licitação.


Para alguns profissionais, existe também uma situação incômoda que é ministrar palestras em saúde bucal. Geralmente são pessoas mais introspectivas que não gostam de falar em público. Como leciono, não tenho esse problema, até gosto muito. Talvez seja esse o seu caso também.


Trabalhei por um período em um CEO. Fazia cirurgia oral menor. Foi um momento de muita aprendizagem pois saí da minha zona de  conforto por ser outra especialidade que não leciono e não exerço com muita frequência em meu consultório particular. Tive um grande parceiro que considero amigo e que me ajudou em muitas cirurgias mais complicadas. Foi um verdadeiro curso de especialização. Sou muito grato a tudo isso.


No CEO as coisas funcionam um pouco diferentes. Como protocolo, não há a obrigatoriedade de se atender urgência, pelo menos no município que atuo. Não posso afirmar em outros municípios. Gostava de atender apenas pelo prazer de aliviar a dor das pessoas. Lá, as consultas são agendadas com um tempo maior para os procedimentos. Afinal, no caso de cirurgias, realizamos exodontias múltiplas, dentes inclusos, remoção de grandes hiperplasias, freios labiais e linguais, regularização de rebordos e outras coisas mais. Sempre são procedimentos mais complexos.


Gostei muito de trabalhar lá. Pelo ofício (gosto também de fazer esses tipos de cirurgias), pelo lugar e pelas pessoas. Uma das poucas desvantagens que eu considero é que o paciente não está submetido a um plano de tratamento que você tenha escolhido, ele pertence ao cirurgião dentista da UBS de origem.


Você se torna quase um prestador de serviço. Como exemplo, tem profissionais que pedem exodontias de terceiros molares erupcionados, hígidos pela dificuldade e não pela impossibilidade de higienização do paciente. Aí vem meus questionamentos: o paciente foi esclarecido, sabe que estão hígidos e que só serão extraídos devido à difiduldade de higiene e que possui outras alternativas? Na dúvida, eu sempre pergunto novamente e documento tudo no prontuário corretamente.


Um outro problema a ser enfrentado é a demora da consulta para ser atendido no CEO em alguns municípios. Uma indicação de exodontia de um terceiro molar semi incluso pode levar mais de 1 ano em algumas épocas. A pericoronarite, se estava presente, já se resolveu com a erupção desse elemento dental. Quando o paciente passa pela consulta, não existe mais dor, ou seja, perdeu-se o motivo do atendimento. Infelizmente faz parte para quem trabalha dentro de normas e regras que não foram estabelecidas por você.


No ambiente hospitalar, UPAs e na área administrativa, não tenho experiências no setor público. Mas conheço algumas pessoas que atuam. A parte que conheço é que nas UPAs não tem agenda. Sua função é atender quem aparece, com um problema qualquer e resolver! O que for odontológico tem que estar preparado para tudo. Muita adrenalina, não? Para quem trabalha em hospital, com certeza lidará com casos mais complexos de intervenções, principalmente na especialidade de cirurgia bucomaxilofacial.


Conheço profissionais, ainda estudantes, que sempre desejaram trabalhar em hospitais. Já pensavam em fazer residência na época da graduação. Com certeza é uma paixão. Aliás, se esse é o seu desejo, é interessante canalizar essa energia já na época da faculdade. Procurar os professores certos para te orientarem nesse caminho. E que seja feliz!


Na parte administrativa, diria que usará a Odontologia como informação técnica para uma boa administração no setor público. Afinal, para exemplificar, se estiver em um setor de compras, deverá conhecer os materiais e insumos que são melhores para o exercício da profissão. Não se limita apenas ao preço. Em uma licitação, terá que aliar valor com qualidade. Conhecer tecnicamente a profissão que administra é um grande bônus para um bom trabalho. Aliás é assim que deveria ser em todo o país. Profissionais da saúde no Ministério da saúde, profissionais da educação no MEC, etc...


Como podem ver, são muitas as possibilidades de se atuar no setor público. Mas a essência é sempre a mesma... ser um Servidor Público... o nome já diz tudo... 


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