O que acontece?

Fernando Aparecido

Importante

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O que acontece?

Ultimamente tenho pensado muito a respeito da nossa profissão e essa pergunta vem com frequência em meus pensamentos... O que aconteceu? Sou de uma geração que se formou na década de 90 e vi ainda muitos profissionais que se formaram na década de 60, 70 e 80 atuarem.


Hoje a maioria se aposentou e muitos estão em vias de. Sabe o que me chama a atenção? Quase todos estão muito bem de vida, conseguiram sustentar suas famílias dignamente, alguns (muitos na verdade) acumularam patrimônios (imóveis e dinheiro) e normalmente não vieram de famílias abastadas.


Mas o mais interessante, o que realmente me faz refletir, era a realidade que esses profissionais tinham em seus ambientes de trabalho. As pessoas mais jovens que estão lendo esse blog talvez não saibam como era a vida da maioria dessa geração que referencio. Pois então vou tentar descrever um pouco essa situação e, por favor, se alguém que estiver lendo e fez parte dessa história discordar que a realidade não era essa, desculpe-me e me corrija!


Nessa época, era muito comum os consultórios serem em pequenos sobrados em travessas de ruas movimentadas (porque o aluguel era mais barato) ou em sobrelojas de comércios de avenidas movimentadas (geralmente padarias rs). Muitos trabalhavam sozinhos, de roupa branca, sem auxiliares. A sala de espera era de decoração simples, com sofás pouco sofisticados ou com bancos e cadeiras de madeira. Televisão nem pensar. Normalmente o atendimento acontecia por ordem de chegada. Hora marcada começou mais na década de 80. Os materiais odontológicos mais utilizados na época eram amálgama, resina composta quimicamente ativada (de apenas uma cor), óxido de zinco e eugenol, godiva e alginato para moldagem. Pude ouvir um grito de ARGHHH de alguns leitores nesse momento.


Claro que sempre existiram os profissionais “diferenciados” que já tinham consultórios em prédios comerciais nas principais avenidas de São Paulo, que atendiam a grande nata da sociedade paulistana e eram “famosos”. Coloquei entre aspas porque a fama deles era pelo fato de serem mais notáveis dentro de um círculo diferenciado da sociedade na época, e não por atenderem famosos. Até porque nessa época, as pessoas eram mais discretas e não ficavam divulgando tratamento odontológico. Nem o paciente e nem o dentista.


A questão que coloco é: hoje a nossa odontologia melhorou muito para as pessoas, sem dúvidas. Os materiais são melhores pois até conseguimos devolver perfeitamente a forma e a função dos dentes. Existe mais conforto, em todos os sentidos, no tratamento odontológico. A tecnologia está ajudando a acelerar certos passos clínicos do nosso cotidiano. Temos mais salas em prédios comerciais com preços mais accessíveis do que antigamente. A mídia de divulgação ampliou com a internet e redes sociais.


Tudo indo perfeito! Mas tem um porém... Nunca vi na minha vida tantos colegas com dificuldades financeiras, alguns bem endividados, exercendo outras profissões paralelas (que não tem a ver com odontologia), sem moradia própria e sem renda para ter uma vida mais digna! Pessoas com consultórios maravilhosos e bem localizados, mas com a conta corrente no vermelho.


Alguns vão alegar que é o excesso de profissionais que se forma ou pela presença maciça de convênios... Até acho que possa ser. Mas eu também acho que quanto mais parâmetros os pacientes têm para identificar um bom profissional, melhor será para o cirurgião dentista mais preparado. Afinal, você só consegue identificar uma boa feijoada por ter provado várias ruins...


Outros vão alegar que antigamente os materiais odontológicos eram piores e por isso tratava-se mais, ganhava-se mais... Não concordo! O que mais ouço de pessoas que se trataram nessa época é “pena que o dentista que fez essa dentadura se aposentou... gosto tanto dela que já faz 50 anos que a uso e não gostaria de trocar... está firme e não cai, só vou fazer isso porque quebrou”.... ou “pena que vou ter que trocar essa resina porque manchou... tenho ela há 30 anos”.... ou “por que trocar esse amálgama doutor (a)?....


Tenho há 40 anos e nunca me incomodou...” estranho não?


Parece um paradoxo... a odontologia, como ciência, era pior, ou seja, não havia tantos avanços tecnológicos e científicos como hoje. Mas os profissionais eram mais bem sucedidos financeiramente. Tanto que ainda temos a fama de sermos “ricos” até hoje... coitados de nós (rs). Então volto a pergunta: o que aconteceu?


Claro que não tenho a explicação. Na verdade, o intuito desse texto é fazer uma reflexão sobre o assunto. Muitas perguntas seguramente não serão respondidas. E não tenho a pretensão de responder nenhuma. Mas gostaria de levantar algumas questões que pude perceber a respeito disso pelas observações que a história me proporcionou.


Em tempo atrás, a figura do profissional era muito importante. Lembro-me que ainda como criança e já como estudante de odontologia, nunca ouvira um paciente perguntar qual a marca de resina que seria utilizada. Não que não ache isso importante. Pelo contrário, que bom que os pacientes têm essa preocupação! Mas o ponto a que me refiro é que as pessoas confiavam no profissional e não na marca do material utilizado. Supunha-se que era utilizada a melhor. Ou na verdade não havia tantas.



Até hoje temos cirurgiões dentistas que iniciaram a carreira utilizando resinas quimicamente ativadas e atualmente usam as melhores resinas compostas do mundo. Eram bons profissionais na época e ainda os são até hoje. O conceito não mudou, ou seja, não foi o material que os fizeram um profissional melhor. Eles só se aperfeiçoaram.


Em contrapartida, é cada vez mais normal o profissional se notabilizar pelo material odontológico que usa, pelos equipamentos sofisticados que têm, pela localização e decoração do consultório, pelo carro que dirige e pelas viagens que faz. Ou seja, o protagonismo está indo para tudo que é periférico ao profissional, menos ele.


E qual o custo disso? Para ser reconhecido como “bom profissional” você precisa necessariamente estar em uma localização privilegiada (sorte para os donos desse imóveis), contratar arquitetos famosos (sorte desses profissionais), usar acabamentos de primeira (sorte das lojas de materiais para construção), utilizar móveis de grife (sorte dos shoppings primes que vendem móveis caros), dirigir um carro importado, fazer um cruzeiro no Mediterrâneo ou no Caribe, hospedar-se em resorts luxuosos, atender famosos de graça (que lhe trará fama e notoriedade), utilizar materiais odontológicos e equipamentos quanto mais caros possíveis (que lhe trará status) e finalmente, contratar um assessor de imprensa e de imagem que lhe trará mais credibilidade. Afinal, a roupa que você usa diz o profissional que é!


Não tenho absolutamente nada contra isso... O mundo mudou e nós precisamos acompanhar essa mudança. Só que eu acredito que exista um meio termo... Como tudo na vida. Equilíbrio é o mais importante e hoje, sinceramente, sinto que é uma das coisas mais difíceis a serem alcançadas. Pelo menos para mim. Sou super a favor dos avanços de equipamentos e materiais odontológicos de primeira. Eu os utilizo. Mas não porque o “Dr. Fulano” (um digital influencer – que virou uma profissão) indicou. Até porque não sei se ele ganhou o equipamento para fazer essa indicação.


Pode ser impressão minha, mas parece que todo mundo foi tirando uma “fatia” dos nossos ganhos de como era antigamente e a gente foi ficando com as migalhas. E como muitos dentistas alimentam isso, o mundo odontológico acompanhou essa ideia. Seria bom se pudéssemos agregar esses valores sem perdermos o nosso protagonismo. Ao contrário, na medida em que entendemos que esse é o caminho, então não há do que se reclamar a respeito.


Tenho certeza que muitos profissionais, ao cimentar uma coroa de porcelana de última geração, deixa mais que 50% do valor cobrado do paciente ao scanner intra oral, CAD CAM, cimento resinoso, motor elétrico, contra ângulo redutor, caneta de alta rotação húngara (claro que é uma ironia porque não sei se as canetas de lá são as mais caras do mundo), localização, decoração, móveis de grife, auxiliar que fala 3 línguas, sabonete da Islândia (mais uma ironia), manobristas sósias de famosos e com barriga tanquinho, tapetes persas e a champanhe francesa safra 1918 porque foi a melhor dos dois últimos séculos na sala de espera (sou da geração que oferecia um cafezinho).


Isso sem falar dos impostos governamentais que levam uma fatia também (e grande).


Enfim, desejo que todos nós possamos cobrar por tudo isso e ainda termos condições de fazermos um patrimônio para uma digna aposentadoria. E que sejamos felizes mesmo assim.


Ahhh uma última coisa... não conheci nenhum dentista dessas gerações anteriores que ficou frustrado por não ter atendido alguém famoso... mas acho que isso talvez seja uma pura coincidência!


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